O planeta intramercuriano, um mundo em órbita entre Mercúrio e o Sol, o que teriam visto os astrônomos que afirmaram isso?
Em 22 de dezembro de 1859, o astrônomo francês Urbain Leverrier recebeu uma carta de um médico aficcionado em astronomia, de nome Lescarbault, que continha uma afirmação extraordinária, a de que tinha visto, no dia 26 de março, uma mancha redonda negra, um planeta em trânsito, atravessar a parte superior da face do Sol, indo de baixo para cima, obliquamente. Durante a hora e quinze minutos em que foi vista, não tinha ainda atravessado um quarto do diâmetro do Sol.
Leverrier convocou um colega para testemunha e rumou para a aldeia de Orgeres, onde morava Lescarbault. Ali chegando, bateu à porta, recusando-se a se identificar, falou rispidamente com o médico, chamando-o de ‘alguém que tem a pretensão de ter visto um planeta intramercuriano’ e exigiu que Lescarbault explicasse como chegara àquela conclusão absurda. O médico, apesar de intimidado, contou em detalhes o que vira e Leverrier então revelou quem era, parabenizando-o e prometeu, assim que voltasse a Paris, providenciar para que Lescarbault recebesse a condecoração da Legião de Honra.
Em questão de dias a nova descoberta já causava rebuliço no mundo astronômico. Leverrier sugeriu que o planeta se chamasse Vulcano e calculou o seu tamanho em aproximadamente 1/17 do tamanho de Mercúrio. Especulou que ele transitara na face do Sol no começo de abril e no começo de outubro e citou outras vinte observações observações anteriores daquilo que já podia identificar, com toda confiança, como Vulcano.
Mas os céticos logo se apresentaram; um deles, um astrônomo brasileiro que disse ter observado a face do Sol ao mesmo tempo que Lescarbault, com um telescópio bem mais potente, nada vira de extraordinário.
Nas décadas seguintes, os astrônomos observaram Vulcano nos períodos em que Leverrier dissera que ele poderia ser avistado. Os resultados foram decepção, observações errôneas (geralmente de manchas solares) e houve quem visse objetos anômalos que, fossem o que fossem, certamente não eram Vulcano. Por volta do fim do século, o ceticismo era quase absoluto. Em 1899, Asaph Hall, descobridor das luas de Marte, comentou que o planeta não mais figurava no discurso da "astronomia racional".
Ainda, dentre as aparições que participaram da polêmica, algumas foram e continuam intrigantes. Algumas seriam até chamadas de OVNI se surgissem hoje. Entre as mais interessantes estão aquelas que indicaram que os objetos vistos estavam muito mais próximos do espectador do que o espectador pensava. Se isso era verdade, explicaria por que, como aconteceu com Lescarbault, os astrônomos de outros lugares nem sempre viam as mesmas coisas.
Afora Lescarbault, o caso mais divulgado envolveu as observações independentes de um astrônomo em Wyoming e de outro no Colorado, e ninguém mais, que viram dois objetos brilhantes a uma certa distância do Sol durante um eclipse total em 29 de julho de 1878. A imprensa astronômica reagiu furiosa, acusando-os de cometer o erro mais elementar, o de tomar por objetos desconhecidos duas estrelas conhecidas. Mas os dois observadores não engoliram as acusações. Um deles, Lewis Swift, escreveu na Revista Nature: "Foi a observação mais valiosa que fiz, absolutamente isenta de dúvida".